sábado, 17 de abril de 2010

Poesia


Segue o teu destino, rega as tuas plantas, ama as tuas rosas. O resto é sombra de árvores alheias. A realidade sei que é mais ou menos do que nós queremos, só nós somos sempre iguais a nós próprios. Suave é viver só. Grande e nobre é sempre viver simplesmente. Deixa a dor nas aras como ex-voto aos deuses. Vê de longe a vida. Nunca a interrogues. A resposta está além dos deuses. Mas serenamente imita o Olimpo no teu coração. Os deuses são deuses porque não se pensam. (Ricardo Reis, 1-7-1916)

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No dia em que se conheceram, nada demais aconteceu. Os pássaros não cantaram de alegria, as estrelas não brilharam mais do que o normal, o céu não entrou em festa e os anjos não regozijaram com cânticos.
Era só uma noite comum, feia, sem lua, em que os dois não tinham nada melhor para fazer.
Destino? Falta de sorte? Amor à primeira música? Até hoje não se sabe.
Simplesmente não se sabe.
E é nisso que está a graça em viver.

Sabedoria Milenar


"A cabeça é o princípio. Sem um começo acertado, não pode haver um final correto. Se uma pessoa perde o momento próprio à união, e amedrontada hesita em aderir plena e verdadeiramente, lamentará seu erro quando for tarde demais."

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Caleidoscópica


Às vezes eu me pergunto o que aconteceu com aquela garota que só se interessava pelo extraordinário. Às vezes acho que ela continua aqui em algum lugar, só que entendeu que nem tudo pode reluzir todo dia. Mas às vezes ela me avassala. Intempestiva. E é como se a mulher sensata e bem-resolvida fosse enviada para Marte. Diluída. Elas quase nunca querem a mesma coisa. E são todas duas impulsivas. E apaixonadas, absurdamente, apaixonadas. Difusas.
Dá muito trabalho ser várias pessoas. Num instante se quer, no outro não. Num minuto é definitivo, no outro... foi-se. Cada um dentro de si é vários, ao mesmo tempo. Isso inclui mesmo você. Mas conciliar os interesses, os desejos, os objetivos, as vontades, dessa multidão que vive dentro da gente... sei lá. A gente ocupa, de uma vez só, uma dúzia de papéis. E os anseios, os sonhos, as expectativas de cada um deles pode sufocar se não estivermos atentos. Ou se estivermos. Não sei.

Gravação do Programa .

Fábio Rabin.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

A mulher da página 194




Ela é loira e linda. Tem 20 anos. Modelo profissional. Saiu na última edição da revista americana Glamour ilustrando uma reportagem sobre autoimagem, e foi o que bastou para causar um rebuliço nos Estados Unidos. A revista recebeu milhares de cartas e e-mails. Razão: a barriga saliente da moça. Teor das mensagens: alívio. Uma mulher com um corpo real.

Não sei se Lizzie Miller, que ficou conhecida como a mulher da página 194, já teve filhos, mas é pouco provável, devido à idade que tem.

No entanto, quem já teve filhos conhece bem aquela dobrinha que se forma ao sentar. E mesmo quem não teve conhece também, bastando para isso pesar um pouco mais do que 48 quilos, que é o que a maioria das tops pesa. Lizzie não é um varapau — atua no mercado das modelos “plus size”, ou seja, de tamanhos grandes. Veste manequim 42, um insulto ao mundo das anoréxicas.

A foto me despertou sentimentos contraditórios. Por mais que estejamos saturados dessa falsa imagem de perfeição feminina que as revistas promovem, há que se admitir: barriga é um troço deselegante. É falso dizer que protuberâncias podem ser charmosas. Não são.

Só que toda mulher possui a sua e isso não é crime, caso contrário, seríamos todas colegas de penitenciária. Sem photoshop, na beira da praia, quase ninguém tem corpaço, a não ser que estejamos nos referindo a volume. Se estivermos falando de silhueta de ninfa, perceba: são três ou quatro entre centenas. E, nesse aspecto, a foto de Lizzie Miller serve como uma espécie de alforria. Principalmente porque ela não causa repulsa, ao contrário, ela desperta uma forte atração que não vem do seu abdômen, e sim do seu semblante extremamente saudável. É saúde o que essa moça vende, e não ilusão.

Um generoso sorriso, dentes bem cuidados, cabelos limpos, segurança, satisfação consigo próprio, inteligência e bom humor: é isso que torna um homem ou uma mulher bonitos. Aquelas meninas magérrimas que ilustram editoriais de moda, quase sempre com cara de quem comeu e não gostou (ou de quem não comeu, mas gostaria), são apenas isso: magérrimas. Não parecem pessoas felizes. Lizzie Miller dá a impressão de ser uma mulher radiante, e se isso não é sedutor, então rasgo o diploma de Psicologia que não tenho. Ela merecia estar na primeira página, mas, mesmo tendo sido publicada na 194, roubou a cena.

Que reação a foto causou em você? Repúdio ou alívio?

“Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma idéia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade. Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. [...] Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou madura bastante ainda. Ou nunca serei.”
"Por te falar eu te assustarei e te perderei? Mas se eu não falar eu me perderei, e por me perder eu te perderia."

quinta-feira, 1 de abril de 2010


“Olha, eu sei que o barco tá furado e sei que você também sabe, mas queria te dizer pra não parar de remar, porque te ver remando me dá vontade de não querer parar também.Tá me entendendo? Eu sei que sim.”

Uma pessoa se encontra numa situação de dúvida: deve continuar e procurar a beleza do brilho externo, ou será melhor voltar à simplicidade? A dúvida em si mesma já implica na resposta. Uma confirmação chega do exterior; vem como um cavalo branco alado. O branco indica simplicidade. Mesmo que, num primeiro momento, pareça decepcionante ter de renunciar às comodidades que por outro caminho se poderiam obter, com o tempo encontra-se a paz interior na união verdadeira com o amigo que corteja. O cavalo alado é o símbolo dos pensamentos que transcendem os limites do espaço e do tempo.

"A vida é muito bonita,
basta um beijo
e a delicada engrenagem movimenta-se,
uma necessidade cósmica nos protege."


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Desculpai-me mas vou continuar a falar de mim que sou meu desconhecido, e ao escrever me surpreendo um pouco pois descobri que tenho um destino. Quem já não se perguntou: sou um monstro ou isto é ser uma pessoa?Quero antes afiançar que essa moça não se conhece senão através de ir vivendo à toa.

Clarice Lispector in “A hora da estrela”

"Ninguém pode calar dentro em mim / Essa chama que não vai passar. / É mais forte que eu / E não quero dela me afastar. / Eu não posso explicar quando foi / E como ela veio / Eu só digo o que penso / Só faço o que gosto / E aquilo que creio. / Se alguém não quiser entender / E falar, pois que fale. / Eu não vou me importar com a maldade de quem nada sabe / E se alguém interessa saber / Sou bem feliz assim / Muito mais do que quem já falou ou vai falar de mim."